Médica não pode ser curadora de paciente da clínica psiquiátrica em que ela trabalhou

 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu que uma médica não pode ser nomeada para atuar como curadora de uma paciente que está internada na clínica psiquiátrica onde ela trabalhou. Segundo o colegiado, o reconhecimento da inaptidão para a curadoria decorre de um possível conflito de interesses.

Dois irmãos ajuizaram ação de interdição em desfavor da irmã, almejando a nomeação de uma pessoa de sua confiança como curadora ou a atribuição dessa função a algum deles, sob o fundamento de que ela seria civilmente incapaz por ter sido diagnosticada com psicose esquizoafetiva.

O juízo de primeiro grau declarou a interditanda incapaz de exercer, pessoalmente, os atos da vida civil de cunho negocial e patrimonial, e nomeou como sua curadora uma médica que trabalhou na clínica onde ela se encontra internada. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença.

No recurso ao STJ, os irmãos alegaram que não foi demonstrado um critério capaz de justificar a nomeação da médica como curadora, pois ela não teria nenhum vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com a curatelada. Os irmãos também sustentaram que o dono da clínica estaria cobrando um valor muito alto da paciente, o que evidenciaria um conflito de interesse apto a impedir a manutenção da curadora.

Escolha do curador pelo juiz deve levar em conta as características pessoais do interdito

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que, conforme o Código de Processo Civil (CPC), o Código Civil (##CC##) e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência ao cônjuge e aos parentes do curatelado, podendo, residualmente, atribuir a curatela a outra pessoa, procurando atender ao melhor interesse do incapaz.

Bellizze destacou que o processo de escolha do curador pelo juiz deve levar em conta as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências (artigo 755, inciso II, do CPC), o que pode ser melhor aferido por meio de uma entrevista (artigo 751 do CPC).

Segundo o ministro, na entrevista realizada pessoalmente pelo juiz de primeiro grau, na presença do membro do Ministério Público estadual que atuava como fiscal da ordem jurídica, a interdita demonstrou aversão aos irmãos e à curadora que eles indicavam. Assim, nos limites da situação fática delineada pelas instâncias ordinárias, e considerando a vontade externada pela interdita, o relator concluiu que a curadoria não poderia ser entregue a nenhuma dessas pessoas.

Cobrança milionária do dono da clínica gerou conflito de interesses

O ministro ressaltou, por outro lado, que o fato de haver a cobrança de altos valores pela clínica, relativamente aos custos da internação, sugere possível conflito de interesse no eventual exercício da curatela pela médica que trabalhou no estabelecimento.

Bellizze explicou que, em razão das disposições legais inerentes à tutela e também aplicáveis à curatela (artigo 1.781 do CC), não pode ser curador quem, no momento de ser designado para a função, se achar constituído em obrigação para com o curatelado ou tiver que fazer valer direitos contra este, ou ainda tiver pais, filhos ou cônjuge que demandem contra ele (artigo 1.735, inciso II, do CC).

“Dentro desse contexto, é de se reconhecer a inaptidão da curadora nomeada pelas instâncias ordinárias, à vista do aparente conflito de interesses (ainda que indireto) no exercício do encargo, à luz do disposto no artigo 755, parágrafo 2º, do CPC”, concluiu o ministro ao dar provimento parcial ao recurso especial e determinar o retorno do processo ao juízo de origem, para que se proceda à nomeação de novo curador.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

 

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